A síndrome do anticorpo antifosfolípide (SAF) é a trombofilia adquirida mais comum. Apresenta manifestações clínicas heterogêneas e que refletem trombose, podendo surgir em casos arteriais ou venosos de qualquer calibre e em qualquer órgão ou sistema, e se desenvolver de modo abrupto ou insidioso.
O prognóstico depende da forma de apresentação, da detecção precoce e da instituição de tratamento precoce.
Causas
A SAF é uma doença autoimune. Os anticorpos antifosfolípides (aPL) constituem uma família de autoanticorpos cuja existência está relacionada com a diátese trombótica, causando, na maioria dos casos, recorrentes tromboses venosas ou arteriais, além de perdas fetais.
Sintomas/manifestações clínicas
As manifestações clínicas são variadas e refletem, primariamente, a localização, o tipo e o calibre do vaso acometido.
As tromboses tendem a acometer principalmente a circulação venosa dos membros inferiores (TVP) e a circulação arterial cerebral. A TVP configura a principal manifestação da doença, podendo ser acompanhada de embolia pulmonar. O acidente vascular encefálico (AVE) e o ataque isquêmico transitório (AIT) representam as causas trombóticas arteriais mais comuns e também as principais manifestações neurológicas. O AVE costuma acometer pacientes mais jovens, muitas vezes sem os tradicionais fatores de risco cardiovasculares.
A SAF obstétrica pode levar às complicações maternas, como eclampsia, pré-eclâmpsia, síndrome HELLP, acidente vascular encefálico pós parto e morte materna, e também às complicações fetais, como aborto e perda fetal e crescimento intrauterino restrito. O evento mais específico consiste em perda fetal intrauterina a partir da 10ª semana de gestação.
O paciente pode apresentar trombocitopenia, anemia hemolítica, necrose avascular, livedo reticular e racemoso, fenômeno de Raynaud e úlceras vasculíticas.
Pode haver ainda acometimento cardíaco, hepático, renal, pulmonar e oftalmológico.
Diagnóstico
A síndrome do anticorpo antifosfolípide deve ser considerada no diagnóstico diferencial de tromboses arteriais e venosas recorrentes, em perdas fetais de repetição e prematuridade por eclâmpsia/pré-eclâmpsia. Algumas manifestações clínicas típicas não fazem parte dos critérios de classificação, mas ajudam a fortalecer a hipótese diagnóstica, como livedo reticular, alterações valvares, enxaqueca e convulsões.
É importante ainda ressaltar que a SAF pode ocorrer isoladamente (primária) ou em associação a outra doença autoimune (secundária), sendo a principal o lúpus eritematoso sistêmico.
A síndrome antifosfolípide estará presente se pelo menos um critério clínico e um critério laboratorial, dentre os abaixo, forem preenchidos:
Critérios clínicos
Trombose vascular: um ou mais episódios de trombose arterial, venosa ou de pequenos vasos em qualquer órgão ou tecido, confirmados por achados inequívocos de imagem ou exame histopatológico. Vasculite deve ser excluída
Morbidade gestacional:
- Um ou mais mortes de feto morfologicamente normal com mais de 10 semanas de idade gestacional (IG), comprovado por ultrassom.
- Um ou mais nascimentos prematuros de feto morfologicamente normal com 34 semanas ou menos, em virtude de eclampsia ou pré-eclampsia grave ou sinais reconhecidos de insuficiência placentária.
- Três ou mais abortamentos espontâneos antes de 10 semanas de IG com causas maternas anatômicas ou hormonais ou causas cromossômicas paternas ou maternas excluídas.
Critérios laboratoriais
- Anticoagulante lúpico (LAC) presente no plasma em duas ou mais ocasiões, com intervalo mínimo de 12 semanas, detectado de acordo com as recomendações da International Society on Thrombosis and Haemostasis;
- Anticorpo anticardiolipina (ACL) IgG e/ou IgM em títulos moderados a altos (>40GPL ou MPL) em duas ou mais ocasiões, com intervalo de, no mínimo, 12 semanas. O teste deve ser ELISA padronizado.
- Anticorpo antibeta-2 Glicoproteina IgG e/ou IgM detectado, presente no plasma em duas ou mais ocasiões, com intervalo de, no mínimo, 12 semanas. O teste deve ser ELISA padronizado.
Tratamento
Apesar dos muitos estudos clínicos e laboratoriais sobre a SAF, várias questões a respeito do tratamento permanecem sem resposta.
Medidas gerais devem ser estabelecidas a todos os pacientes, como controle de obesidade, dislipidemia, tabagismo, hipertensão arterial e diabetes. O uso de contraceptivos orais à base de estrogênio e a terapia de reposição hormonal são fortemente contraindicadas.
O tratamento de escolha consiste na anticoagulação. Varfarina, heparina não fracionada ou heparina de baixo peso molecular são as principais medicações, associadas ou não ao AAS.
A anticoagulação está indicada para indivíduos com SAF que apresentem trombose e na SAF obstétrica para gestantes com trombose prévia ou quando diagnóstico da gravidez surge em uma mulher com aPL positivos com história prévia de morbidade gestacional atribuída à SAF.
CID: D 68; D 68.9
Livro da Sociedade Brasileira de Reumatologia. José Tupinambá Sousa Vasconcelos. 2019
Reumatologia: Diagnóstico e Tratamento. Marco Antonio P. Carvalho. 5ª edição 2019
Reumatologia. Marc C. Hochberg. 6ª edição
UpToDate 2021